terça-feira, 6 de janeiro de 2009

LI "O CAÇADOR DE PIPAS"

Ainda estou sob o impacto do forte livro "O caçador de pipas" do autor árabe Kalhed Hosseini. O livro é um retrato do que uma alma em busca de redenção pessoal é capaz de fazer para exorcizar seus demônios mais interiores.

No livro, o protagonista depara-se com um drama pessoal. Em sua infância ele havia sido covarde em ridicularizar seu empregado de outra etnia, a sofrida "hazara", e na adolescência incipiente ainda em uma tensão entre o desejo de ter a sua culpa expiada e o desejo de ter bem longe o seu algoz interior, resolve fazer o que lhe parecia mais humano e pobre (não poderia usar de modo algum usar outra expressão a não ser, covardia): trair mais uma vez àquele que lhe prometeu ser fiel em tudo, mil vezes, se isso fosse preciso.

Na realidade, sem entrar nos pormenores da história fantástica quero apenas apontar algumas lições bem práticas e excelentes que tiro da narração que me fez amar o Afeganistão:

(a) Hà familias que vivem fantasmas em suas lembranças.

Eu fico a pensar, lembrando-me de Moisés e o egípcio que ele matou e enterrou debaixo da areia, e correlaciono com o segredo de família que no livro, acaba expondo o parentesco de Amir e Hassan. E não posso deixar de pensar nas famílias que tem esqueletos guardados em seus quarda roupas, assuntos que não são citados por trazer lembranças aterradoras em pessoas que se julgam no direito de silenciarem-se sobre assuntos de família, que na realidade pertencem a todos.

Ninguém tem o direito de esconder algo do passado que influencia diretamente a vida de toda uma família. Não é correto em reuniões familiares,sobretudo no final do ano, termos tantos sorrisos falsos nas mesas e nos cantos secretos da alma, segredos sérios que mudariam a sorte de uma pessoa ou quem sabe, de toda uma família!

Eu passo a considerar a séria possibilidade de estabelecermos em 2009 um "dia da verdade", onde todos as pendências seriam resolvidas ao toque saboroso da transparência e da sinceridade. Lembro-me de uma frase no livro, atribuida ao pai de Amir, "eu prefiro uma verdade que cause dor do que uma mentira que consola".

(b) É inegável no livro o valor de uma amizade que precisa ultrapassar barreiras.

Talvez eu ame bem pouco os meus amigos! Foi um sentimento que tive enquanto passava os olhos nessa história tão formidável! Estou disposto a defender meus amigos a qualquer custo? Ou são tantas vezes que faço como Amir e, simplesmente viro as costas, e deixo as tragédias acontecerem e me calo. Permita-me desabafar: miserável silêncio!

O auto-centrismo tem sido uma chaga de nossa geração! Há muitos que optam por um isolamento que protege apenas a si mesmo, justamente para não confrontar o reconhecimento de que se precisa de amigos. Ficamos apenas com uma parte do verso de Provérbios "quem tem muitos amigos, tem-nos para a própria ruina" e nos esquecemos do restante: "mas, há um amigo mais chegado do que um irmão".

Estamos sendo amigos de alguém em especial? Sobretudo, nesse tempo de tanta falsidade e pragmatismo, onde as relações são feitas na base do "o que vou ganhar sendo amigo de fulano (a)? Por que não paramos de sermos falsos e deixamos de lado a máscara do utilitarismo e passamos a nos entregar a amizades que sejam sinceras e integrais? Teríamos menos rugas no rosto se sorríssemos mais! Teríamos menos enxaquecas se nos preocupássemos mais com o outro! Teríamos menos pesadelos se sonhássemos mais com causas nobres! Chorariamos menos pelos falsos amigos, se valorizássemos mais os amigos verdadeiros!

(c) Deus sempre nos dá uma chance de nos redimirmos de erros do passado.

Eu sei que essa minha última aplicação vai chocar alguns, mas, Deus não permitirá que partamos desse mundo sem nos dar a chance de demonstrarmos de modo perfeito o nosso perdão reparador. Foi assim com José. Quando Jacó faleceu, seus irmãos ficaram com medo e o procuraram, temendo uma represália. Mas, José teve a oportunidade de reparar toda e qualquer brecha, perdoando-os novamente.

Foi assim também com Davi, que, após o episódio de Bate- Seba reparou-se com o Senhor e, acertando suas contas em uma contrição de causar comoção adquiriu o favor do Senhor que ainda lhe permitiu ter um filho a quem deu o nome sugestivo de Salomão, a saber, "pacífico".

Amir, o personagem do livro em busca de redenção pessoal teve o seu fim "salomônico" (no sentido etmilógico de "pacífico") pois sua consciência foi pacificada pelo desfecho incrível do livro. Agora, o mesmo espero para todos aqueles que tem seus corações doídos e carcomidos pelo tempo que parece eterno, de uma culpa que oprime sem dó nem piedade o coração repleto de ressentimentos pelo passado.

Esse é o meu comentário, desse primeiro livro lido em 2009.